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domingo, 18 de setembro de 2011

O Pai, o Filho e Elvis

Licença Creative Commons
A obra O Pai, O Filho e Elvis de Gláucia Hamond Coutinho foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição - Uso Não Comercial - Obras Derivadas Proibidas 3.0 Não Adaptada.



Dedico este texto ao meu pai e a todos os pais e filhos que o lerem.

Por maior que seja o amor numa família, sempre acaba acontecendo um choque de gerações entre pais e filhos.
E com aquele pai e seu filho não era diferente.
O pai gostava de Elvis Presley e vivia escutando sua fita K-7 (isso mesmo que escutaram), enquanto seu filho era vidrado em Rock n’ Roll.
O sonho do pai era comprar um barco, batizá-lo de Elvis e velejar com o filho ouvindo, claro, Elvis. Mas este sonho era do pai. O filho queria curtir a vida, sair com os amigos pra balada, virar a noite, beijar todas as garotas da rua, enfim, tudo que um garoto normal de sua idade sempre acaba fazendo, ou pretendendo fazer.
Até que um dia, o pai comprou um veleiro. E o batizou de Elvis, como havia dito. Ele fez questão de reunir amigos e familiares no dia do “batismo”. E a cerimônia tinha como trilha, Elvis, claro. Tocado em fita K-7, para nostalgia da maioria dos presentes. O filho chegou atrasado, tinha uma prova de recuperação na faculdade. Mas quando visualizou aquele “sonzinho” empoeirado (como ele costumava chamar) tocando Elvis numa fita K-7, soltou uma gargalhada e disse: “Nossa, pai! Essa fita ainda existe? Se quiser eu gravo pra você um CD com tudo isso em mp3!” Mas o pai era fiel a tradições. Foi logo dizendo: “Elvis não seria o mesmo em mp3! Eu só não toco minha “eletrola” aqui no veleiro porque o balanço das ondas do mar iria arranhar meus discos!” Todos riram!
E o pai vivia convidando o filho para passearem juntos a bordo do Elvis, ouvindo Elvis. Mas o filho só queria saber de Rock n' Roll. Elvis, para ele, era coisa de velho. E ainda falava: "Pai, pro seu governo, Elvis já morreu, tá?" O pai esboçava um sorriso e respondia: "Meu filho, Elvis NÃO morreu!" Mas o pai nem ligava para o quê o filho pensava... Sorria, balançava a cabeça e ainda dizia: “Se não fosse o Elvis, você talvez nem conheceria esse tal Rock n' Roll que tanto gosta, mas, um dia você vai entender o que eu digo e vai acabar gostando do Elvis! O seu Rock n' Roll deve muito à ele!” E um dia, acabou gostando mesmo. Mas foi muito tempo depois...
O filho, vez ou outra, aceitava o convite do pai e saía para velejar com ele. Mas passava a maioria do tempo reclamando do Elvis. O da fita K-7, não o barco. O pai apenas esboçava um sorrisinho maroto e balançava a cabeça.
E assim, muitos anos se passaram, o pai vendeu o veleiro por já estar muito velho e não ter nenhum filho que se interessasse pelo barco. E o filho concluiu seus estudos, formou-se em Informática e não tinha mais tempo nem pro seu Rock n' Roll, nem para a família. O trabalho lhe consumia inteiramente. Mas o pai sabia que ele o amava. “Filho é assim mesmo”. Ele costumava dizer. E acrescentava: “Nós também já fomos jovens, não é verdade? No final das contas, a gente sempre descobre o amor que existe numa família. Cedo ou tarde ele acaba chegando!”
Até que num fatídico dia, o pai sofreu um ataque cardíaco fulminante e morreu. Ele já era bem velhinho. Morreu ouvindo Elvis. “Love Me Tender”, era o que tocava naquela fita K-7 daquele “sonzinho” empoeirado...
O filho foi o primeiro a chegar na casa dos pais. A mãe chorava sem parar. E ela falou, entre soluços, que ele escutava Elvis quando morreu. E estranhamente, a fita parou pouco tempo depois de sua partida. Parecia que ele tinha desligado o som após partir...
O mais estranho foi o que aconteceu quase que no mesmo momento do falecimento do pai. O veleiro Elvis naufragou... Nenhuma vítima. Mas junto com ele, foi-se o pai e toda memória daquelas tardes em alto mar, ouvindo Elvis...
Dias se passaram, meses e anos. Até que o filho se comprometeu com um trabalho, melhor dizendo, entrou num concurso, onde a proposta seria criar vídeo-clips de clássicos antigos, numa abordagem totalmente atualizada no que diz respeito a época, moda, tradições e costumes. Além disso, os novos clips deveriam ser criativos e sair da mesmice, do convencional e do óbvio.  Mostrando sobretudo, todas as formas de amor. E o filho ficou encarregado de criar clips com as músicas de Elvis... E qual música ele escolheu? “Love me Tender!”
E este trabalho de criar clips em cima de músicas antigas rendeu muita mídia, divulgação e uma premiação na noite da mostra.
Muita gente, imprensa, artistas e celebridades do mundo da música no Cine Odeon, na Cinelândia, para assistir aos clips e prestigiar os vencedores recebendo suas premiações naquela noite carioca.
A família do filho estava em peso presente no evento. Todos, menos o pai...
Muitos clips já tinham passado na telona quando anunciaram o vencedor da noite! E foi aí, quando o primeiro acorde de “Love me Tender” ecoou no Cine Odeon, já se visualizava um veleiro em alto mar... E o veleiro era o Elvis... Feito por computador, claro, mas era ele. Lindo e majestoso. Assim como a canção. E o finalzinho do clip mostrava uma cena belíssima e conhecida apenas pelo filho... E pelo pai... Era um menino pequeno, num píer, acenando para alguém. Logo, a câmera vira 180º, e só aí podemos ver um senhor de idade, num veleiro que se distanciava, acenando de volta, com um enorme sorriso nos lábios... O vento parecia soprar na vela ao ritmo da melodia. Enquanto a música ainda estava no final do penúltimo verso, o menino grita, em inglês (por causa da música) para o senhor: “Dad, do you love me?” (pai, você me ama?) E o senhor responde: "Yes!" (Sim!) E junto com Elvis, no último verso, complementa:  (...) "And I always will!" (E eu sempre amarei!)...
O menino sorri emocionado...
Close nas mãos do menino que segurava algo com força, contra o peito. Uma fita K-7... 

Palmas! Muitas palmas no Cine Odeon! E lágrimas nos olhos do filho...