Cópia e pirataria virtual também é crime! Não copie sem autorização!


quinta-feira, 10 de junho de 2010

Jeremias Bate um Bolão de Costas e Ainda Faz "fiu-fiu" Debaixo D´Água

Creative Commons License
Jeremias Bate um Bolão de Costas e Ainda Faz "fiu-fiu" Debaixo D´Água by Gláucia Hamond Coutinho is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 3.0 Brasil License.

Vocês conhecem aquela brincadeira infantil chamada “telefone sem fio”? Para quem não sabe como ela é, vou explicar. As crianças sentam-se em roda, e uma diz uma frase qualquer no ouvido da companheira do seu lado. Esta, por sua vez, não pode pedir para repetir, tem que passar adiante o que entendeu. E assim, uma criança fala no ouvido da outra, ao seu lado, o que escutou. No final, a última diz em voz alta o que entendeu. E surpreendentemente, na maioria das vezes, a frase escutada é completamente diferente da original. E essa é a graça da brincadeira.

Pois bem, explicado o significado da expressão, vamos ao que interessa.

Nosso amigo da vez chama-se Jeremias. Sujeito engraçado, um tanto o quanto matuto e caipira, mas desconfiado de tudo e de todos. E isso é exatamente o que o deixa engraçado pra valer!

E uma das coisas que deixava Jeremias mais gaiato que tudo era a maneira como ele assistia aos filmes e desenhos animados. O cara discutia com os atores, dava bronca nos personagens animados e ficava “bismado”, como ele mesmo costumava dizer, com certas coisas que aconteciam na tela. Por exemplo, ele não se conformava em ver o super-homem voando. “Como pode? Um ômi avoá sem asas?” E quando o filme era de ficção científica então? Aí que ele pirava de verdade! “Cês ta acreditano nisso? Num é possíver! Num criditu! Cês só podi di ta di sacanage com a minha cara! Ou é um comprô contra a minha pessoa! Só podi di cê!” E toda vez que ele assistia a algum filme era sempre assim... Mas o pior era quando ele ia ao cinema! Aí, meus amigos, a coisa ficava feia. O cara xingava os atores do filme, chamando-os de mentirosos e outras coisas mais, que não convém citar no momento. Além de discutir com os outros que tentavam assistir ao filme em paz. Aí, a galera reclamava, mandava o cara calar a boca e, inevitavelmente, o “lanterninha” (aquele profissional que antigamente vistoriava o cinema a fim de manter a ordem do mesmo), figura ainda existente por aquelas bandas, sempre acabava aparecendo e convidando Jeremias a se retirar do recinto. E ele ía na boa. Quer dizer, “na boa”, mais ou menos, porque ele saía reclamando e xingando. Mas saía. E ainda dizia: “é meior mermo eu saí daqui. Esse povo mente qui nem senti! Onde já se viu, perdê meu tempo com essa mentirada danada!”

Com essa fama de “contestador cinematográfico”, Jeremias se tornara uma lenda viva em sua cidade. É claro que o povo aumentava, mas não inventava.

E por conta de tanta confusão nas sessões de cinema daquela cidadezinha do interior mineiro, Jeremias acabou sendo proibido de frequentá-las. E ele disse que nem ligava. “É meior mermo eu nem intrá nu cinema! Pra quê? Gastá meu dinherim com mentirada! Sô doido não, sô!” Disse ele, meio inconformado, mas não poderia perder a pose, não é verdade?

Certa manhã, Jeremias apareceu no botequim e disse a seus amigos que estava de viagem marcada para o exterior e que sua vida mudaria por completo. E quando todos perguntaram o que ele iria fazer fora do país, Jeremias se manteve em silêncio. Apenas deu as costas, caminhou até a porta do boteco, virou-se e falou sussurrando e vagarosamente: “mistério”...

E assim, passaram-se alguns meses até que Jeremias reapareceu na cidade. Voltou todo bem vestido, bronzeado, mais gordinho e com ar de alegria no rosto. E como de costume, logo pela manhã, entrou no boteco para rever os amigos. Todos ficaram boquiabertos com a nova aparência de Jeremias e todo o mistério que envolvia aquela situação. E foi um tal de perguntar o que tinha acontecido, o que ele tinha feito, aonde ele tinha ido e tudo mais. Jeremias, sem falar nada, puxou uma cadeira, sentou-se, tirou seu chapéu e sorriu. Agora ele tinha dentes, minha gente! Eu não tinha mencionado isso antes para não denegrir a imagem do nosso amigo, mas agora, que ele já tava com a comissão de frente todinha completa, não preciso mais ficar cheia de dedos para tocar nesse assunto.

Aí, ele resolveu falar:

_”Minha gente, virei artista de cinema! Em breve, estarei nas telonas de todo o país!” E o mais surpreendente era que ele voltou falando um português claro e muito mais correto que o de outrora. Mas o que realmente teria acontecido para rolar uma transformação tão radical assim? Isso era o que todos perguntavam naquela mesa de bar. E Jeremias se limitava a sorrir, mostrando seus novos dentões branquinhos como folha de papel. A única coisa que ele falou foi o nome do filme que ele “estrelaria”. E o filme, segundo ele, levaria o título de “Jeremias bate um bolão de costas e ainda faz fiu-fiu debaixo d´água.”

Quando ele terminou esta frase, todo lampeiro, segurando os suspensórios com os dedos, na altura do tórax; seus amigos caíram na gargalhada! “Ah, Jeremias, faça-me o favor! Vai mentir assim na China, ômi! Onde já se viu? Só tu mesmo! Há, há, há, há, há, há, há, há....”

Jeremias ficou tão danado da vida que saiu do boteco bufando feito touro em rodeio!

Tempos mais tarde, ficou constatado que o que Jeremias havia falado era realmente mentira. E ele ficou brigado com a maioria das pessoas da cidade porque, em sua cabeça, era uma injustiça todo mundo acreditar no super-homem, que voava sem asas, do que acreditar que o pobre Jeremias pudesse virar um famoso artista de cinema.

Mas, sendo mentira ou não, porque Jeremias teria inventado um nome daqueles para o tal filme? Lembra do que eu tinha falado antes sobre a brincadeira do “telefone sem fio”? Pois bem, a verdade pura e simples é a seguinte: Jeremias viajou para a capital para colocar as mãos numa bela de uma herança. E, por conta disso, deu uma repaginada na “lataria”, fez um curso de férias de inglês e conviveu por um tempo com seus parentes ricos e cultos, que ele nem fazia idéia que existiam. Numa das noites em que estava na casa de seus parentes, um sobrinho citou que tinha brincado pela manhã com seus amiguinhos de “telefone sem fio”. E Jeremias quis saber como era essa tal brincadeira. O sobrinho explicou e sugeriu que todos brincassem também para que o primo Jeremias pudesse melhor entender. E assim, todos, adultos e crianças, começaram a brincadeira. E Jeremias foi escolhido para dizer a primeira frase no ouvido da pessoa ao lado. E a frase que ele resolveu pronunciar foi a que ele tinha escutado, horas antes na cozinha, quando quis ajudar a empregada nos afazeres domésticos. Jeremias ajudaria a limpar o chão, enquanto a empregada terminava de bater um bolo. E ela deu a ele uma vassoura e disse: “Jeremias, eu bato o bolo na mão, porque as minhas costas já tão pior que piu-piu (passarinho) mergulhado n´água”. Ou seja, morto, ou morrendo. Como as costas dela, que não aquentavam mais trabalho por aquele dia. E a frase, acabou se deturpando por conta do telefone sem fio. E essa mesma frase, a deturpada, foi o título do filme que Jeremias resolveu inventar, como sendo ele próprio o protagonista da saga em questão: “Jeremias bate um bolão de costas e ainda faz fiu-fiu debaixo d´água”.

Tempos depois, Jeremias voltou às boas com seus amigos de bar e resolveu soltar o que estava preso na garganta:

_”Cês são uns trouxa mermo! Creditá num ômi que avoa sem asa, cês credita. Mas creditá que um amigo docês possa virá artista de cinema, cês num credita, não né, uai? “

Foi quando um de seus amigos se virou e disse:

_”Jeremias, creditá num amigo, nós credita, sim! Mas se é pra menti, vamu menti com catiguria! O super-ômi, avoa sem asa, não é verdadi? Mas avoa com tanta catiguria que nois inté chega a creditá! O cabelo dele nem sai do lugar! Fica bunitão nas arturas! Mas, um firme com esse nome doido, até o diabo discunfia!"

E ele tinha toda razão, porque, convenhamos, para alguém bater um bolão, de costas, e ainda conseguir, ao mesmo tempo, fazer fiu-fiu debaixo d´água, só mesmo tendo parte com o chifrudo... Deus me livre e guarde! Ter parte com o “coisa ruim’ só pra fazer algo sobrenatural? Nem pensar! Melhor mesmo é seguir a vida do jeitinho que Deus quer. E foi o que Jeremias fez. Tinha “enricado” mas continuava o mesmo “contestador cinematográfico” de sempre. Só que agora, com uma diferença; ele havia tomado gosto pela mentira. Vai entender...