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quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Ensaio Sobre a Loucura por Azulejos


(imagem da internet)


Eu tenho mania de azulejos... É um desvario meu. Toda vez que eu entro num lugar e vejo azulejos na parede, eu começo a viajar... Eu fico imaginando, baseado nos azulejos que vejo, de que data é a construção daquele prédio ou casa. Eu perco horas pensando nisso. Às vezes, eu nem consigo me concentrar no que está acontecendo a minha volta. Eu só consigo pensar nos azulejos... E eu fico ainda mais intrigada quando vejo que os azulejos fazem par uns com os outros. Ou seja, você precisa de mais de um, no caso dois ou quatro azulejos, para se ter o desenho desejado. Complicado isso... Pelo menos para mim. Já pensou se um deles quebra e você não encontra a outra parte do azulejo para compor a gravura? Por esse motivo, existem os cemitérios de azulejos. Lugar intrigante... Eu já fui num desses. Um verdadeiro mistério psicodélico...

Outro dia, logo na saída de uma peça, que assisti em Copacabana, eu fui jantar num restaurante. E sabe o que tinha lá? Azulejos... Pareceram-me datar dos anos 70, mas fiquei na dúvida se o recinto realmente era dos anos 70 ou se, após uma reforma, nos anos 70, a decoração do local mudou. Mas eu fiquei muito confusa porque tinham duas paredes de azulejos diferentes. E os azulejos, apesar de terem tons semelhantes, me pareciam datar de épocas distintas... Isso deu um nó na minha cabeça! Quase fiz uma pesquisa no Google pra saber a data da inauguração do restaurante. Mas eu deveria ter perguntado ao garçom se o restaurante já sofreu alguma reforma anteriormente... Eu deveria mesmo era ter tirado umas fotos dos azulejos! Isso me pouparia tempo e esclareceria muita coisa... Ou então, eu poderia ir a um cemitério de azulejos e perguntar a data deles. Simples assim!
Além de azulejos, eu também fico meio louca com pisos... Principalmente se forem de azulejo... Ou outro material parecido. Cerâmica, quem sabe?
Sabe, pra falar a verdade, eu nem entendo dessas coisas, azulejos, ladrilhos, pisos, cerâmica... Mas eu tento entender. Eu me esforço pra entender! E sabe porquê? Porque eles contam uma história. Atrás de uma parede de azulejos se escondem várias histórias. Anos e mais anos de muita história. Quem sabe décadas? ... Séculos...
Estou começando a achar que azulejos me deixam deprimida... Eu chego a chorar olhando para uma parede coberta por azulejos... Por que eu imagino... Imagino o que aconteceu diante daquelas paredes. Paredes cobertas por azulejos...
Já uma parede pintada, não me diz nada. Eu não perco horas do meu dia pensando em quantas camadas de tinta aquela parede já viu. Eu não dou a mínima para paredes pintadas! A única vez que eu parei pra pensar em paredes cobertas por tintas, foi no dia em que eu vi uma parede de azulejos toda pintada. Tacaram tinta por cima dos azulejos. Uma crueldade! Sinceramente, não entendi... Acho que queriam, de alguma forma, apagar o que o tempo registrou. Coisa de gente triste... Eu acho...
Uma vez, eu ouvi uma coisa muito esquisita. Disseram-me que o vidro não é sólido. Ele se encontra no estado líquido. Olha só que loucura! Um diferente tipo de líquido, por assim dizer... Por causa das catedrais antiqüíssimas da Europa. Se você notar os vitrais delas, verá que a tinta deles escorre para a tinta do vitral de baixo, nas gravuras. Muito estranho... É como se eles derretessem a uma velocidade praticamente imperceptível ao olho humano! Ou será que é apenas a tinta que escorre? Ah, sei lá... Será que o mesmo pode acontecer com os azulejos? Acho que as pessoas não dão aos azulejos tempo suficiente para provar se isto também pode acontecer com eles. As pessoas se cansam rapidamente dos azulejos. Já percebeu isso? Ninguém dá ao azulejo uma chance... Uma única chance de provar o que ele realmente é. Seu verdadeiro valor. Suas origens. Suas experiências. Suas qualidades. Sua durabilidade.
E quer saber? Eu tenho me sentido “igualzinha” a um azulejo. Sem chances...
Não dá pra imortalizar um azulejo! Eu já percebi isso! A não ser aqueles portugueses. Esses sim têm todo respeito que merecem.
Não sei nem porque estou falando em azulejos... Eu não entendo nada deles...
Acho que eu vou tentar mudar! Não vou mais pensar em azulejos. Vou me concentrar agora em vitrais de catedrais! Vou focar nisso!
Vitrais sim são, sem sombra de dúvidas, imortalizados na história! As pessoas respeitam os vitrais! E é exatamente assim que eu gostaria de ser... Imortalizada na história... Os supostamente imortais têm todo o respeito que merecem. E isto é tudo que eu desejo. Isto é tudo que eu mereço: RESPEITO!

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Clown ou Palhaço?




"Maria Bonitinha" - Nordestina, retirante, humilde e, acima de tudo, discretíssima! rsss Personagem Clown, criada por mim para uma performance.
Ao longo de minha carreira como atriz, tive o prazer de participar de algumas montagens Clowns, onde aprendi coisas maravilhosas sobre este universo. Com esta experiência acabei criando vários personagens que uso em algumas performances que costumo apresentar sempre que tenho oportunidade.
Na foto acima, eu como "A Técnica", na montagem Clown "Os 3 Reis Gagos". Texto e direção de Cristiana Monteiro. Turnê pelos SESCs de Campos dos Goytacazes/RJ, Taubaté/SP, São Carlos/SP e São José dos Campos/SP. 2003 e 2004.

Não gosto de deixar minha língua em segundo plano, mas, como muita gente possa achar que o termo “palhaço” soe pejorativo e ofensivo, vou chamar de “clown” mesmo.
A palavra Clown, deriva de "clod", do inglês arcaico, que significa “rústico” e “do campo”.
Alguns dizem, a grosso modo, que o palhaço é considerado mais pastelão que o Clown. É aquele de circo, que faz graça de tudo, que veste roupas coloridas, engraçadas e fora de medidas. É aquele que conta piadas, é um trapalhão e brincalhão. Já o Clown seria uma versão com um humor mais sutil, com movimentos baseados na pantomima e mímica corporal e técnicas mais específicas em sua interpretação.
Charles Chaplin poderia ser considerado um Clown e “Os 3 Patetas”, Palhaços.
Na minha humilde opinião, considero os dois termos de igual importância e peso (Clown e/ou Palhaço), desde que o artista passe ao público alguma mensagem.
A simpatia, a doçura e a ingenuidade do Clown "Augusto" cativa o público.
Podemos citar 2 tipos de Clowns, ou palhaços, como preferir:
O Branco e o Augusto => Um típico exemplo de Clown Branco e Clown Augusto seria a dupla cômica “O Gordo e o Magro” (Stan Laurel e Oliver Hardy).
O Branco é o líder, aquele que sabe tudo, que comanda e dá as ordens. Ele é exigente e na maioria das vezes, ranzinza e sem paciência com seu parceiro. O Clown Branco é sério, na medida do possível, bravo, e com riqueza de figurino.
Já o Clown Augusto é o ingênuo, o tolo, o bobo, o atrapalhado. Ele é aquele que acata as ordens do Branco com medo de errar. E quando erra, o que ocorre com muita frequência, fica com medo de ser punido pelo seu chefe, o Clown Branco. O Augusto comete tantas burradas que chega a dar pena.
O público sempre acaba amando mais o Augusto, pela sua pureza e humildade. As pessoas acabam sentindo uma certa compaixão por ele, já que é um ignorante inocente, e sempre acaba apanhando do Clown Branco por conta de suas burrices. O Clown Augusto é praticamente uma criança em corpo de adulto, ou melhor, um adulto com alma de criança.
Podemos até traçar um paralelo entre "Clown Branco e Clown Augusto" com o "Pierrot e o Arlequim" originais da Commedia Dell´Arte. O Pierrot é o triste, com lágrima na face e roupas brancas. O Arlequim, com seus trajes coloridos com retalhos em forma de losango, é mais divertido, alegre e mais malandro. E junto com a Colombina formam um triângulo amoroso.
A origem do Clown também está intimamente ligada à origem do circo, quando Philip Astley, sub-oficial e exímio cavaleiro, começou a realizar shows unindo números equestres com acrobatas.
O nariz vermelho dos palhaços é a sua marca registrada, sua identidade. E tem muita a ver com o nariz do bêbado. Melhor dizendo, revela a sua embriagues. Ou seja, é uma tolice cômica, já que todo bêbado, por cambalear, enrolar a língua ao falar e ser desprovido de censura em seu discurso é, de certa forma, uma figura bem engraçada de se contemplar.
A maquiagem é parte fundamental da criação e composição do Clown. Pancakes coloridos dão toda graça a máscara que se formará e ajudará a compor a personagem. Assim como o nariz, a maquiagem também faz parte de sua personalidade. Cada palhaço tem sua maquiagem própria. Eu, particularmente, me sinto "protegida" com a máscara! Ela dá forças para fazer o que for preciso, já que um Clown é uma criatura que deve ser totalmente desprovida de pudores e sem medo de realizar as mais ousadas peripécias. Para o Palhaço, nada o impedirá de fazer algo. Ele não tem limites. E o mistério envolvido na "construção" de sua máscara o faz ficar mais forte e protegido. Ele está "desfigurado", ou melhor, impossível de ser reconhecido. Eu costumo dizer que a máscara pode ser o seu álibi! rsss
O Clown sempre faz as situações mais rotineiras se tornarem engraçadas e irreverentes. Ele faz graça de sua própria desgraça.
Outra coisa importante e fundamental é o trabalho de corpo. Dança, acrobacias, pantomimas e mímicas dão uma graça toda especial ao Palhaço. Quanto maior o trabalho de corpo do ator, melhor será o seu Clown.
E se, além disso tudo citado acima, o ator que desenvolve o trabalho de Clown acrescentar música e instrumentos musicais a sua performance, o pacote está fechado! Nota 10!
Bem, de qualquer maneira, sendo Clown ou Palhaço, o importante é cativar a platéia. E, mesmo com toda a caricatura e comédia envolvidas naquela “misancene” toda, o fundamental é passar alguma mensagem proveitosa para as pessoas. E se passada com alegria, melhor ainda!
Nota importante:
Lembrem-se sempre que este é uma trabalho artístico e complexo! As vezes um Clown pode levar meses ou até mesmo anos para "nascer"! A arte da palhaçaria não se resume apenas em vestir uma roupa engraçada e sair tropeçando e fazendo piadas. Isso seria uma banalização da mesma! E sem medo algum de parecer repetitiva, o Clown é, acima de tudo, um artista! E não um mero folião fantasiado num bloco de carnaval.

Laboratório de Palhaçaria na Martins Pena, sob orientação de Anselmo Vasconcellos. 2012.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

MANDA ELA EMBORA, ELEONORA! MANDA ELA EMBORA!



MEU TEXTO, MINHA DIREÇÃO E MINHA IRREVERENTE ATUAÇÃO, 
NUMA TRANSFORMAÇÃO IRRECONHECÍVEL, 
COMO A DEBOCHADA EMPREGADA CAIPIRA "SOCORRO"!






Sala de estar ou varandinha da casa de Eleonora. Ela é "hippie", toda zen, gosta de incenso, faz meditação, ou algo que remeta a sua paz de espírito e tranqüilidade ao extremo. Ela senta-se numa das cadeiras para iniciar sua meditação matinal. Sua empregada, Socorro, que apesar de ser do interior e caipira, é super irônica. Mas sua patroa nem percebe. Ela varre a casa, espana os móveis, etc. Sempre ouvindo música com o fone no ouvido. Socorro usa suas músicas para tentar se meter e debochar da conversa dos outros. Entra em cena sua vizinha, Abigail, que é uma “perua” super agitada e elétrica. E notoriamente, detesta a empregada de Eleonora por achá-la muito intrometida e confiada. E este sentimento é recíproco.


Na foto acima, por incrível que pareça, eu, Gláucia Hamond, como a empregada Socorro.

(A hippie Eleonora, patroa de Socorro, entra em cena se preparando para sua meditação matinal. Senta-se com as pernas cruzadas feito chinês e entra em harmonia com o Cosmos).

SOCORRO: (entra em cena cantando e dançando com uma vassoura nas mãos) Diga aonde você vai, que eu vou varrendo! Vou varrendo, vou varrendo, vou varrendo, vou varrendo... Ô, "patroinha", eu sou sua fã!
ELEONORA: ("desperta" de sua meditação) Que foi Socorro? Algum problema?
SOCORRO: Não. Tô ouvindo música. É o “p3” que senhora me deu. Tá lembrada? To só cantando enquanto faço minhas tarefas domésticas. (cantarola o tema de Escrava Isaura) Re, re, re, re...
(Abigail, a vizinha "perua", adentra a casa de sua amiga Eleonora para conversar com ela.)
ABIGAIL: Bom dia, Eleonora. Você já leu o jornal hoje? O Presidente Lula vai fazer um discurso, na ONU, contando tudo sobre sua vida, sua origem, suas dificuldades até virar presidente.
ELEONORA: É mesmo? E o que será que ele vai falar, hein?
SOCORRO: (cantando) Já não tenho dedos pra contar, de quantos barrancos despenquei...
ABIGAIL: Eu já não te disse pra dispensar essa sua secretária? Manda ela embora, Eleonora. Manda ela embora! Ela é confiada demais! Ela se mete em tudo!
ELEONORA: Que nada, Abigail! A Socorro é uma pessoa inocente. Veio da roça. Ela gosta de música. Só isso, Abigail! A Socorro gosta de cantar!
ABIGAIL: Tá bom! Tá bom! Não vou falar de novo! Já te avisei. Mas, mudando de assunto. Poxa, amiga, você nem reparou no meu cabelo, hein?! Eu finalmente achei um cabeleireiro que é uma MA-RA-VI-LHA! Olha só como meu cabelo está mais liso! Nem preciso mais pentear!
(Eleonora toca no cabelo da amiga e concorda que achou bom mesmo)
SOCORRO: (cantando) Nega do cabelo duro, que não gosta de pentear...
(as duas olham para a empregada de imediato)
SOCORRO: (apontando para seu fone de ouvido e disfarçando) “Frash-Back”!
ABIGAIL: Você ta vendo, não tá? Ela é muito confiada! Manda ela embora, Eleonora! Manda ela embora!
ELEONORA: Nossa, Abigail, como você é desconfiada! Ela é da roça! Ela é humilde, mulher! Ela não tem dessas maldades! Isso é coisa da sua cabeça!
ABIGAIL: Hump! Sei... Mas, eu não vim aqui pra me aborrecer. Eu vim aqui pra conversar contigo. E aí? Vamos ou não vamos ao Clube? Eu tenho que encontrar com aquele ricaço viúvo! Aquele que joga tênis no clube, sabe? Vamos entrar pro tênis, amiga? Entra comigo, vai? Assim fica mais fácil de eu me aproximar dele. Tô doidinha pra arrumar um que me banque!
SOCORRO: (cantando) E se tiveres renda, aceito uma prenda, qualquer coisa assim...
ABIGAIL: (fala apenas para a platéia) Vou dar uma porrada nessa mulher!
SOCORRO: (cantando como que revidando o que Abigail acabou de falar) Pode vir quente que eu estou fervendo...
ABIGAIL: Olha ela! Ela tá se metendo na nossa conversa! Eu te avisei, Eleonora! Daqui a pouco ta te roubando e tudo! Manda ela embora, Eleonora! Manda ela embora!
SOCORRO: (cantando com raiva e olhando fundo nos olhos de Abigail) Venenosa, êh, êh, êh, êh, êh. Erva venenosa, êh, êh, êh, êh, êh...
ABIGAIL: (alterada) Olha só pra isso! E agora? Você vai tentar me convencer que ela só está cantando? É isso, Eleonora? É isso?
ELEONORA: Calma, Abigail! Calma! Você anda muito estressada! Você devia descansar mais, sei lá. Entrar na yoga, virar vegetariana. Não sei. Você é sempre tão desconfiada das coisas! Você precisa relaxar! Levar a vida mais na esportiva.
ABIGAIL: Esportiva, Eleonora? Esportiva? Ah, faça-me o favor! Pra mim, chega por hoje! Quer saber? Além de irritada, fiquei triste! To indo! Fui!
SOCORRO: (cantando) Bye, bye, tristeza não precisa voltar...
(Abigail se irrita visivelmente e parte, batendo o pé no chão, mas volta apenas para “dar uma banana” para a empregada, que retribui mostrando a língua)
ELEONORA: Aí, assim vou ficar louca, maluca! Não entendo essas pessoas nervosas! Aí, SOCORRO!
(e Socorro responde prontamente, achando que é com ela)
SOCORRO: Sim, patroa! Tô aqui! “Às ordi!”
(a patroa entre em “transe” tentando uma meditação, para fugir do stress e Socorro nota que ele está em “alpha” e tenta chamar-lhe a atenção e ela não responde)
SOCORRO: Iiiihhhhh... (conversa com a platéia ao perceber que a patroa está em “transe”) Que trem doido, sô! (cutuca a patroa para ver se ela “desperta”) Dona “Lelenora”? Ê, ê! Não é que ela “popotizou” mesmo? (cantando, rindo e apontando para a patroa) Eu vivo sempre no mundo da lua...
(socorro sai do ambiente varrendo e rindo) 

FIM

Na foto acima, Ronaldinha (como Abigail, a vizinha "perua"), Gláucia Hamond (como a empregada Socorro) e Graça Garbacio (como Eleonora, a patroa "hippie"). No Festival de Esquetes do Rei Ator - 08 de setembro de 2010 - Teatro Suassuna (Centro Cultural Anglo Americano) - onde fomos convidadas para uma apresentação "hors concours".

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Jeremias Bate um Bolão de Costas e Ainda Faz "fiu-fiu" Debaixo D´Água

Creative Commons License
Jeremias Bate um Bolão de Costas e Ainda Faz "fiu-fiu" Debaixo D´Água by Gláucia Hamond Coutinho is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 3.0 Brasil License.

Vocês conhecem aquela brincadeira infantil chamada “telefone sem fio”? Para quem não sabe como ela é, vou explicar. As crianças sentam-se em roda, e uma diz uma frase qualquer no ouvido da companheira do seu lado. Esta, por sua vez, não pode pedir para repetir, tem que passar adiante o que entendeu. E assim, uma criança fala no ouvido da outra, ao seu lado, o que escutou. No final, a última diz em voz alta o que entendeu. E surpreendentemente, na maioria das vezes, a frase escutada é completamente diferente da original. E essa é a graça da brincadeira.

Pois bem, explicado o significado da expressão, vamos ao que interessa.

Nosso amigo da vez chama-se Jeremias. Sujeito engraçado, um tanto o quanto matuto e caipira, mas desconfiado de tudo e de todos. E isso é exatamente o que o deixa engraçado pra valer!

E uma das coisas que deixava Jeremias mais gaiato que tudo era a maneira como ele assistia aos filmes e desenhos animados. O cara discutia com os atores, dava bronca nos personagens animados e ficava “bismado”, como ele mesmo costumava dizer, com certas coisas que aconteciam na tela. Por exemplo, ele não se conformava em ver o super-homem voando. “Como pode? Um ômi avoá sem asas?” E quando o filme era de ficção científica então? Aí que ele pirava de verdade! “Cês ta acreditano nisso? Num é possíver! Num criditu! Cês só podi di ta di sacanage com a minha cara! Ou é um comprô contra a minha pessoa! Só podi di cê!” E toda vez que ele assistia a algum filme era sempre assim... Mas o pior era quando ele ia ao cinema! Aí, meus amigos, a coisa ficava feia. O cara xingava os atores do filme, chamando-os de mentirosos e outras coisas mais, que não convém citar no momento. Além de discutir com os outros que tentavam assistir ao filme em paz. Aí, a galera reclamava, mandava o cara calar a boca e, inevitavelmente, o “lanterninha” (aquele profissional que antigamente vistoriava o cinema a fim de manter a ordem do mesmo), figura ainda existente por aquelas bandas, sempre acabava aparecendo e convidando Jeremias a se retirar do recinto. E ele ía na boa. Quer dizer, “na boa”, mais ou menos, porque ele saía reclamando e xingando. Mas saía. E ainda dizia: “é meior mermo eu saí daqui. Esse povo mente qui nem senti! Onde já se viu, perdê meu tempo com essa mentirada danada!”

Com essa fama de “contestador cinematográfico”, Jeremias se tornara uma lenda viva em sua cidade. É claro que o povo aumentava, mas não inventava.

E por conta de tanta confusão nas sessões de cinema daquela cidadezinha do interior mineiro, Jeremias acabou sendo proibido de frequentá-las. E ele disse que nem ligava. “É meior mermo eu nem intrá nu cinema! Pra quê? Gastá meu dinherim com mentirada! Sô doido não, sô!” Disse ele, meio inconformado, mas não poderia perder a pose, não é verdade?

Certa manhã, Jeremias apareceu no botequim e disse a seus amigos que estava de viagem marcada para o exterior e que sua vida mudaria por completo. E quando todos perguntaram o que ele iria fazer fora do país, Jeremias se manteve em silêncio. Apenas deu as costas, caminhou até a porta do boteco, virou-se e falou sussurrando e vagarosamente: “mistério”...

E assim, passaram-se alguns meses até que Jeremias reapareceu na cidade. Voltou todo bem vestido, bronzeado, mais gordinho e com ar de alegria no rosto. E como de costume, logo pela manhã, entrou no boteco para rever os amigos. Todos ficaram boquiabertos com a nova aparência de Jeremias e todo o mistério que envolvia aquela situação. E foi um tal de perguntar o que tinha acontecido, o que ele tinha feito, aonde ele tinha ido e tudo mais. Jeremias, sem falar nada, puxou uma cadeira, sentou-se, tirou seu chapéu e sorriu. Agora ele tinha dentes, minha gente! Eu não tinha mencionado isso antes para não denegrir a imagem do nosso amigo, mas agora, que ele já tava com a comissão de frente todinha completa, não preciso mais ficar cheia de dedos para tocar nesse assunto.

Aí, ele resolveu falar:

_”Minha gente, virei artista de cinema! Em breve, estarei nas telonas de todo o país!” E o mais surpreendente era que ele voltou falando um português claro e muito mais correto que o de outrora. Mas o que realmente teria acontecido para rolar uma transformação tão radical assim? Isso era o que todos perguntavam naquela mesa de bar. E Jeremias se limitava a sorrir, mostrando seus novos dentões branquinhos como folha de papel. A única coisa que ele falou foi o nome do filme que ele “estrelaria”. E o filme, segundo ele, levaria o título de “Jeremias bate um bolão de costas e ainda faz fiu-fiu debaixo d´água.”

Quando ele terminou esta frase, todo lampeiro, segurando os suspensórios com os dedos, na altura do tórax; seus amigos caíram na gargalhada! “Ah, Jeremias, faça-me o favor! Vai mentir assim na China, ômi! Onde já se viu? Só tu mesmo! Há, há, há, há, há, há, há, há....”

Jeremias ficou tão danado da vida que saiu do boteco bufando feito touro em rodeio!

Tempos mais tarde, ficou constatado que o que Jeremias havia falado era realmente mentira. E ele ficou brigado com a maioria das pessoas da cidade porque, em sua cabeça, era uma injustiça todo mundo acreditar no super-homem, que voava sem asas, do que acreditar que o pobre Jeremias pudesse virar um famoso artista de cinema.

Mas, sendo mentira ou não, porque Jeremias teria inventado um nome daqueles para o tal filme? Lembra do que eu tinha falado antes sobre a brincadeira do “telefone sem fio”? Pois bem, a verdade pura e simples é a seguinte: Jeremias viajou para a capital para colocar as mãos numa bela de uma herança. E, por conta disso, deu uma repaginada na “lataria”, fez um curso de férias de inglês e conviveu por um tempo com seus parentes ricos e cultos, que ele nem fazia idéia que existiam. Numa das noites em que estava na casa de seus parentes, um sobrinho citou que tinha brincado pela manhã com seus amiguinhos de “telefone sem fio”. E Jeremias quis saber como era essa tal brincadeira. O sobrinho explicou e sugeriu que todos brincassem também para que o primo Jeremias pudesse melhor entender. E assim, todos, adultos e crianças, começaram a brincadeira. E Jeremias foi escolhido para dizer a primeira frase no ouvido da pessoa ao lado. E a frase que ele resolveu pronunciar foi a que ele tinha escutado, horas antes na cozinha, quando quis ajudar a empregada nos afazeres domésticos. Jeremias ajudaria a limpar o chão, enquanto a empregada terminava de bater um bolo. E ela deu a ele uma vassoura e disse: “Jeremias, eu bato o bolo na mão, porque as minhas costas já tão pior que piu-piu (passarinho) mergulhado n´água”. Ou seja, morto, ou morrendo. Como as costas dela, que não aquentavam mais trabalho por aquele dia. E a frase, acabou se deturpando por conta do telefone sem fio. E essa mesma frase, a deturpada, foi o título do filme que Jeremias resolveu inventar, como sendo ele próprio o protagonista da saga em questão: “Jeremias bate um bolão de costas e ainda faz fiu-fiu debaixo d´água”.

Tempos depois, Jeremias voltou às boas com seus amigos de bar e resolveu soltar o que estava preso na garganta:

_”Cês são uns trouxa mermo! Creditá num ômi que avoa sem asa, cês credita. Mas creditá que um amigo docês possa virá artista de cinema, cês num credita, não né, uai? “

Foi quando um de seus amigos se virou e disse:

_”Jeremias, creditá num amigo, nós credita, sim! Mas se é pra menti, vamu menti com catiguria! O super-ômi, avoa sem asa, não é verdadi? Mas avoa com tanta catiguria que nois inté chega a creditá! O cabelo dele nem sai do lugar! Fica bunitão nas arturas! Mas, um firme com esse nome doido, até o diabo discunfia!"

E ele tinha toda razão, porque, convenhamos, para alguém bater um bolão, de costas, e ainda conseguir, ao mesmo tempo, fazer fiu-fiu debaixo d´água, só mesmo tendo parte com o chifrudo... Deus me livre e guarde! Ter parte com o “coisa ruim’ só pra fazer algo sobrenatural? Nem pensar! Melhor mesmo é seguir a vida do jeitinho que Deus quer. E foi o que Jeremias fez. Tinha “enricado” mas continuava o mesmo “contestador cinematográfico” de sempre. Só que agora, com uma diferença; ele havia tomado gosto pela mentira. Vai entender...

segunda-feira, 31 de maio de 2010

O Viajante do Tempo

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O Viajante do Tempo by Gláucia Hamond Coutinho is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 3.0 Brasil License.


Outro dia conheci uma pessoa que dizia ser um viajante do tempo. O sujeito falava que tinha vindo do futuro! E é claro que eu não acreditei. Achei que o cara fosse um doido varrido. Pirado mesmo! Mas quando pedi para ele me provar o que falava, tive que acreditar nele! Ele recitou um poema de sua época futura, que era mais ou menos assim:

“Nossa! Que lindo! A primavera chegou! E isso já é visível nas roupas floridas das pessoas. Vestidos com margaridas, blusas com rosas, camisetas com pequenos detalhes floridos, bermudas com samambaias, muito verde e muitos animais estampados nas bolsas! E o céu continua cinza...

E o verão! Ah! Que alegria! Tudo muito colorido! Nas praias principalmente, é claro! Biquínis com estampas de frutas, flores e muita cor! E o céu, continua cinza...

Ai, chega o outono. Que estação maravilhosa! Todo mundo vestindo tons terra, com desenhos de folhas secas nas roupas. E muita gente no parque pintando quadros! Todos de uma natureza morta sem igual! É realmente fantástico! E o céu, continua cinza...

E quando finalmente chega o inverno, é tudo muito emocionante! O frio proporcionando a possibilidade de vestir àquelas roupas chiques! Sapato preto, casaco preto, blusa preta, calça preta e algumas peças cinzas. Assim como o céu, que continua cinza... “

Quando ele terminou seu poema, disse duas coisas que me arrepiaram os cabelos. Primeiro ele olhou a sua volta e disse:

“Que engraçado! Aqui dá pra se notar as estações do ano sem ter que olhar para as roupas das pessoas!”

Mas a outra frase que ele mencionou, além de me arrepiar, deixou-me sem palavras:

“Que curioso, o céu está ficando cinza...”

O sujeito então, deu as costas e seguiu seu caminho, com uma alegria sem igual estampada na face. Parecia uma criança em dia de festa! Sorria para tudo que via! Até mesmo para a fumaça que saía dos escapamentos dos carros.

E eu, continua alí no mesmo lugar. Parada. Pensando. Até que notei que o homem havia desaparecido.

Foi nessa hora que me veio uma pergunta a mente:

Será que ainda dá tempo?

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Morfeu, o Zumbi e a Bola de Pelos


Bem, são exatamente 12 horas e vinte e seis minutos do dia 19 de maio de 2010. E este “zumbi” que vos escreve, intitulou-se desta maneira por ter sido acordada às 3 e poucas da madruga e não ter conseguido voltar a dormir. O porquê disso? Bola de pelos... Isso mesmo que você acabou de ler! Bola de pelos! Estava eu dormindo, o sono dos justos, quando fui acordada abruptamente pela tosse felina da minha gata Jolie. E o motivo da tosse? Bola de pelos... Na garganta. E isso é normal acontecer com os gatos, pois estes estão sempre lambendo seus pelos e os pelos de seus amigos peludos. É um lambe-lambe danado! E só poderia ser a Jolie tossindo, pois o Tico é meio porquinho e não liga muito pra higiene. Jolie que é responsável pela limpeza de ambos! Sendo assim, ela que tem mais bola de pelos na garganta.
A verdade é que quando eu acordei com aquele barulho, tratei de procurar a Jolie para ver se poderia lhe dar alguma ajuda. Mas como eu estava “embriagada” de sono, levei algum tempo para sacar que a Jolie se encontrava debaixo de minha cama. E eu só a encontrei depois de ter percorrido a casa inteira à sua procura... (e o Tico, alheio a tudo, amolava suas unhas na lateral do meu colchão)...
Mas, foi só eu olhar pra ela e perguntar, “Jolie, o que houve?”, que a tosse parou. Sumiu. Desapareceu. E junto com ela foi-se Morfeu... Eu que estava tão confortável e acomodada em seus braços! Acho até que estava sonhando! Quando me dei conta, ele tinha dado no pé também.
E eu não entendo porque não consegui pegar no sono novamente. Até porque eu estava tão cansada que dormia como uma pedra antes de ter sido acordada pela tosse da Jolie. E sendo assim, porque Morfeu foi embora tão rápido?
Só pode existir uma explicação:
Morfeu deve ter nojo de bolas de pelos... Só pode ser isso!