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sábado, 6 de fevereiro de 2010

A Estátua de Geraldo

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A Estátua de Geraldo by Gláucia Hamond Coutinho is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 3.0 Brasil License.

Geraldo era um sujeito daqueles metido a entender de tudo um pouco. Dizia ser arquiteto, escultor, jornalista e, segundo uma versão meio duvidosa, disse já ter até estudado na Europa. O fato é que mesmo com tantos estudos (nem todos comprovados) Geraldo vivia desempregado, fazendo uns bicos aqui, e outros acolá.

Na cidadezinha onde morava, “Sete Pedrinhas”, lá nos confins do Judas, todos sabiam de sua fama de sabichão. Porém, Geraldo sempre atribuía à sua falta de sorte nos empregos, ao simples fato de morar numa cidadezinha do interior, sem recursos. E ele vivia às voltas pelas ruas a desabafar: _ “Se esta cidade fosse grande, uma metrópole de futuro, aí é que eu ia deslanchar na minha carreira!”. O problema era que Geraldo sempre se irritava profundamente quando alguém lhe perguntava com ironia: “Ô Geraldo, fala aí pra nós: em qual das suas carreiras você pensa em prosperar, hein?”.

Dizem que teve um dia, que o prefeito – por falta de verba – encomendou de Geraldo uma estátua para ser colocada numa pracinha que ocuparia um terreno baldio, num lugar deserto e distante do centro da cidade. Geraldo, por sua vez, se dedicou ao máximo em sua arte, e no dia da inauguração da praça, todos viram sua obra realizada: uma estátua, que segundo ele, era de Edson Arantes do Nascimento – o Pelé; já que a pracinha viria a se chamar “Praça dos Esportes”. Quando o pano foi finalmente retirado da estátua, o povo todo se entregou às gargalhadas, pois a obra em questão, além de muito mal feita, se parecia muito mais com o Geraldo do que com o próprio Rei. Além disso, o nosso grande escultor, quando soube pelas más línguas da cidade que Pelé havia dado uma desculpa muito da esfarrapada para não comparecer à inauguração, ficou pra lá de furioso e se sentiu insultado por demais. Até porque a praça não chegou a ser muito freqüentada e sua obra tampouco admirada. Mas o que acabou perturbando ainda mais a cabeça de Geraldo foi que o único estabelecimento comercial perto da nova pracinha era nada mais, nada menos do que um botequim muito do “furreca”, frequentado apenas pelos pinguços do lugarejo.
Alguns meses depois, numa outra inauguração de uma praça bem mais famosa, Geraldo foi chamado pelo prefeito ao coreto para fazer um discurso, em homenagem ao Padroeiro da Cidade – São Judas (Tadeu). Mais do que imediatamente, não quis perder a oportunidade de discursar e aproveitando o ensejo, de se lamentar, é claro. E foi assim que ele começou seu discurso: _ “Povo desta cidade! É com muita dor no peito que participo desta inauguração, pois esta festa toma lugar numa praça badaladissima, enquanto em outra, esquecida pelas almas sem piedade desta terra, jaz, infelizmente, minha obra de arte completamente esquecida e solitária. Não há duvidas de que o abandono reina lá como um ditador. Até parece que minha obra nem se quer vale os calos de minhas mãos cansadas... E para finalizar, conserto um trecho desse meu desabafo: minha estátua só não está totalmente “entregue às traças”, pois esta vive cercada por mendigos e pelos beberrões daquele “pé sujo” do Boteco do seu Zé.” Alguns risinhos se perderam no ar quando Geraldo encarou a todos com ira nos olhos e berrou para os quatro cantos da Terra: “Traidores!!!”. Com tanto melodrama, fez-se um silêncio aterrorizante na platéia, até que de repente, a voz de Bafo de Pinga, o bêbado mais maluco da cidade, quebrou o gelo dizendo:
_ “Ô Geraldo, qué sabe duma coisa? Por conta daquela tua arte, eu to inté pensando em pará de bebê. Ééééé... E os meus colegas também. Sabia?” _ “Como assim?!” perguntou Geraldo intrigado. _ “Sabe o que é?“, disse o bêbado, “porque, cá pra nóis, né Geraldo, eu sempre que olho praquela estáltua, eu paro e penso: eu vô bem pará de bebê só pra vê se essa coisa aí é feia mermo ou se é eu que tô vendo torto de tanta pinga na lata!”. As pessoas riram e zombaram tanto da cara de Geraldo, que o prefeito teve que pedir a intervenção da polícia para dar fim naquela baderna que havia se estabelecido.
Depois daquele dia nefasto na vida do nosso amigo, Geraldo desapareceu sem deixar vestígios. Tudo que se sabe foi que ouviram uns murmúrios de que ele havia comentando que o discurso de Bafo de Pinga, apesar de doloroso e muito do mal feito, tinha lhe dado uma grandíssima idéia empresarial para continuar vendendo suas obras de arte.
O curioso foi que após alguns anos, uma estátua que muito se assemelhava aos traços da obra de Geraldo, foi vista num pátio de uma instituição no Rio de Janeiro, onde várias palestras e depoimentos eram realizados em volta da mesma com tamanha adoração, que era como se a escultura fosse de um “Deus”. E sabe qual era esta instituição? A dos Alcoólicos Anônimos... Bafo de Pinga tinha mesmo razão...

Um comentário:

  1. Adorei!
    Além de excelente atriz você também é roteirista.
    Tô seguindo você!!
    bjs

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