Promessa é Dívida! by Gláucia Hamond Coutinho is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 3.0 Brasil License.
O ano era 1985. Eu, adolescente, aos 16 anos para ser mais exata, cursava o segundo ano do segundo grau (atual ensino médio) no Colégio Pedro II. Um ano após as “Diretas Já!”. O ano do Rock In Rio. Ano da suposta profecia de Nostradamus que dizia algo sobre uma grande catástrofe num festival na América Latina... Mas, com a graça e benevolência de Deus, nada disso aconteceu. A tragédia que estaria prestes a acontecer tomaria lugar no Rio de Janeiro mesmo, porém, numa sacristia...
Eu e minha amiga descíamos os degraus do ônibus 634, que vinha lá de “Deus me Livre”, pegava o retorno onde Judas perdeu as botas, passava por São Cristóvão (onde a gente embarcava após o colégio), fazia um tour pela estação da Leopoldina, percorria as ruas da Tijuca e fazia seu ponto-final ao lado do Tijuca Tênis Clube, na rua onde mais tarde levaria o nome do nosso querido e saudoso Chacrinha. Aí, eu resolvi desabafar:
_”Gisele, tenho que te contar uma coisa...”
_”Ai, meu Deus! Pela sua voz... Fala logo que eu já estou me preparando pro pior!” Disse a amiga fiel.
E eu falei:
_”É que eu fiz uma promessa... Pra passar de ano... E queria que você me jurasse que irá me acompanhar!”
E a amiga, já imaginando a tragédia:
_ “Ai, Meu Deus do Céu! Não vai me dizer que você prometeu subir as escadarias da Penha? Já basta a promessa do ano passado em que você ficou um ano sem comer chocolate!"
E eu respondi, meio sem jeito, com o tom de voz bem mais baixo que de costume, com o olhar perdido e reticente:
_”Claro que não...”
Ai, o final do ano se aproximava... As notas... Nada boas... Prova final: quase em todas! Só faltava o último e derradeiro golpe de misericórdia que seria a recuperação em fevereiro... Porém, o aluno, nesta instituição, só poderia ir para recuperação em apenas 3 matérias. O que matematicamente diminuía a minha probabilidade de conseguir ir para recuperação, sem repetir direto... E eu já estava em duas! Matemática e Biologia. Restava fazer a prova final de História. Prova esta que seria praticamente impossível de passar direto, já que a professora era daquelas que pedia na prova até a cor das cuecas de Dom Pedro... E, sem surpresa alguma, fiquei em recuperação nesta disciplina também. E, somando com as outras duas disciplinas, eu já tinha batido minha cota de provas em recuperação praquele ano. Restava ser aprovada em Química. Seria fácil se eu não precisasse tirar 8! Eu disse “OITO”! Na prova final... Alguém aqui, em sã consciência já tirou “OITO” em Química? Referi-me, na frase anterior, às pessoas normais, OK? E sendo assim, só me restava chorar... E foi o que fiz! Meus amigos, solidários, tiveram uma idéia brilhante. Um amigo, o Albrecht, ainda não tinha consultado com o professor a sua nota na ultima prova de Química. E o cara só tirava notas boas... Plano perfeito! Ele fingiria não saber o resultado do somatório de suas notas e compareceria a prova final para me dar “cola”. E não é que deu certo? Para meu conforto emocional, psicológico e espiritual!.
Dia da prova: Professor entra e conta o número de alunos. Meu coração quase pula pra fora da boca! Ele menciona que teria um aluno a mais em sala de aula... Bem, com toda franqueza, se eu estivesse com diarréia, não teria contido a emoção daquele momento nefasto que me pareceu ser infinito enquanto durou... E o professor checa seu diário e diz:
_”Meu caríssimo aluno, você tirou 10, 9, 10 e 9. Como pôde achar que não teria passado de ano?”
Não sei o que aconteceu, deve ter sido força do trato que eu havia feito com os Santos, mas o professor fechou seu diário, olhou para ele, e não sei porque cargas d´água, olhou para mim também, e falou:
_”Já que veio, faz a prova também!”. Ufa, que alivio!
Prova em andamento e a “cola” rolando solta...
Ao término da prova, o amigo solidário lamentou:
_”Poxa vida! Eu só não sabia responder a número 9...” E eu:
_”Ah, acho que a resposta era “metil-propil-cetona!” E todos: _”Claro, isso mesmo! Que bom que você acertou!”
E eu: _ “É, mas eu fiquei com medo que estivesse errada e... Deixei em branco...” Ai, Jesus, menos um ponto, numa prova de 10 questões, onde eu TINHA que tirar OITO!!!
Dia do resultado: aglomeração de alunos de várias turmas distintas, chorando, rezando, em fila indiana e aguardando o resultado junto ao professor... E sabe quanto tirei? OITO!!! Pra alegria e felicidade geral da nação!
Mas era chegada a hora de revelar a tão secreta e famigerada promessa...
E qual era? Adivinha? Subir as Escadarias da Igreja da Penha... DE JOELHOS!!!
Nisso, o amigo solidário falou que sua tia teria feito a mesma promessa, e mesmo usando joelheiras, levou 3 meses para se recuperar de um grave problema causado pela ignorância e burrice de subir 382 degraus, de joelhos...
Mais uma vez, pra variar, só me restou chorar...
Nisso a amiga dá a solução divina! Iríamos a Igreja pedir ao Padre um auxilio.
Cenário: sacristia da Igreja. E minha amiga começa a narrar toda aquela “saga” para o padre, que a única reação era o levantar das sobrancelhas, indicando espanto enquanto ouvia toda aquela blasfêmia... Até que ele, olha pra mim e resolve falar:
_” Minha filha... Em nenhum trecho da Bíblia, Deus fala que para se alcançar uma graça devemos nos sacrificar e fazer uma promessa. Mas... Se prometeu, (...) TEM QUE CUMPRIR!” Não preciso nem dizer que comecei a chorar... Aí, o padre, com toda sua benevolência e compaixão resolve me dar 3 opções de promessas para que meus joelhos não padecessem já que a mente não foi esperta o suficiente para pensar numa promessa mais adequada. E as opções eram bem simples. 1- Eu poderia subir as escadarias da Penha, normalmente e rezar, em agradecimento a graça alcançada, dentro da igreja. 2- Pegar parte de minha mesada e doar para a paróquia e 3- rezar e ler a Bíblia durante 2 horas. Alguém pode imaginar qual promessa eu escolhi para substituir a antiga? A número 3... Claro e evidente!
O padre, ao ouvir minha escolha, arregalou os olhos de tal maneira que seus globos oculares pareciam que iriam saltar de suas órbitas! Nem preciso mencionar que minha amiga quase cavou um buraco no chão para se esconder, de tamanha vergonha... Ah, gente! Eu não entendia porque minha escolha tinha causado tanto pavor! Afinal de contas, o padre me deu opções... E Eu escolhi. Tudo bem que escolhi a mais fácil de se pagar, mas que jogue a primeira pedra quem nunca pecou antes! E promessa por promessa, paguei a minha! Rezei durante 2 horas! Claro que em doses homeopáticas... Um dia rezei 40 minutos, noutro dia li a Bíblia por meia hora, certa tarde por mais 10 minutinhos... E assim, completei as 2 benditas horas prometidas ao longo de alguns dias! Afinal o padre não havia me dito que eu deveria rezar por duas horas INENTERRUPTAS! E nem que eu deveria cumprir a “promessa” em apenas um único dia...
É, meus caros amigos, seja lá o jeito que foi, pelo menos, cumpri o prometido! Mas, vou confessar uma coisa, depois desse dia prometi a mim mesma que jamais voltaria a prometer o que não poderia cumprir. Vai que os Santos se aborreçam comigo e não me concedam mais nenhuma graça?! Melhor não arriscar... Já devo ter queimado todo meu estoque de perdão divino... Mas, se até eles, que são SANTOS, já pecaram, porque eu não posso pecar também? Errar é humano... E reincidir no erro é... ma-lan-dra-gem... Mas, porém, contudo, entretanto e todavia, se não fosse essa tal “malandragem” eu não teria passado de ano...Nem Moreira da Silva teria sido tão malandro! Com o perdão da palavra, em certos casos, vale a pena ser um pecador. E nem venham me crucificar, porque isso, definitivamente, não foi o fim do mundo, o Apocalipse ou o Juízo Final! Nem mesmo a profecia de Nostradamus foi... Que dirá a minha simples promessinha...
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