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quinta-feira, 25 de março de 2010

4 Cantos

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4 Cantos by Gláucia Hamond Coutinho is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 3.0 Brasil License.

Ronaldo Yvanov, 42 anos, publicitário renomado. Conceituadíssimo no mercado carioca e nacional, morava só, numa belíssima e luxuosa cobertura na Lagoa. Uma vista paradisíaca! A Lagoa de frente e o Cristo, com toda sua resplandecência, ao lado.

Sua namorada, Janaína, de 35 anos, era uma linda sansei de olhos esverdeados. Era louca de paixão por Ronaldo. Talvez até morresse por ele!

Ronaldo era sócio-majoritário de uma grande agência de publicidade. Ele detia a conta da maioria das grandes marcas nacionais. Mas, seu sócio Pedrão, que mais pensava em mulher do que nos próprios negócios, sempre deixava algum furo nas negociações e estava sempre chegando atrasado para tudo. Isso preocupava Ronaldo... Sendo assim, ele já tinha em mente o que faria: terminar sua sociedade e iniciar outra com alguém de pé no chão. E Laura, uma afro-descendente, tipo mulata do Sargentelli, era uma ótima sócia em potencial! Mulher, negra, boa aparência, lésbica e workaholic. Combinação perfeita! Bem apessoada para causar boa impressão nos negócios internacionais. O fato de ser mulher e negra constataria que Ronaldo, além de totalmente isento de preconceitos (como realmente era) não era um sujeito machista. E Janaina não criaria caso com horas extras e jantares desmarcados por conta de alguma reunião de última hora já que não teria ciúmes de uma “sapatona”. Além disso, o trabalho fluiria de vento em popa já que ela era uma trabalhadora incondicional.

Ronaldo já consultara inúmeros advogados, de fora do Rio, claro, para não levantar suspeitas, sobre como poderia descartar seu futuro-ex-sócio da maneira mais rápida, barata e eficaz. Doutora Liliane Rocha, 47 anos, era perfeita pro caso. Discreta e eficiente. Loira, elegante e de modos refinados. Falava pausadamente um português impecável e com riqueza de detalhes. Nos braços, nos dedos e no pescoço, muito ouro! Denunciando assim a ótima situação financeira. Com base nessas informações, dava a crer que era uma excelente profissional e conseqüentemente, faria o melhor possível para Ronaldo não levar a pior.

Com esta carta na manga, ele já visualizava a possibilidade de marcar uma entrevista, com Mary, sua amiga de faculdade, que era jornalista. Ruiva e alta, parecia descender da Inglaterra. E como toda boa britânica, sua pontualidade era seu forte. O que ele tinha em mente era, que após sua ruptura com Pedrão, daria a ela um furo de reportagem, onde contaria a sua mais nova aquisição (que já estava em andamento por debaixo dos panos). E era nada mais, nada menos, que a conta da Coca-Cola! Pasmem! E acreditem quem puder... Ronaldo seria o responsável pela publicidade da marca, não só no Brasil, assim como no mundo inteiro! Carinha de sorte, esse Ronaldo, não?

Com tantos planos em mente, contas em processo de briefing, negócios em andamento e captações de novos clientes, Ronaldo acaba se enrolando com sua agenda super lotada e marca seu encontro com Janaina e reunião com essas outras 3 mulheres, na mesma bat-hora e mesmo bat-local : seu apartamento...

Ele ligara pela manhã para Janaina, dizendo estar com muitas saudades já que não se viam há mais de uma semana. O mesmo acontecera com as outras 3 mulheres. O encontro com a futura-sócia, tinha sido marcado há 5 dias atrás. A entrevista com sua amiga jornalista, a Mary, foi agendada quando ela o telefonou no mês anterior, há exatos 30 dias. E a reunião com a advogada, teria sido apontada por intermédio de sua secretária, que não contaria nada a ninguém, por se tratar de sua irmã gêmea, Roberta.

Agora você deve estar se perguntando como um cara tão bem sucedido e responsável, não teria anotado esses compromissos todos, pelo menos numa simples agenda de papel... Simples e elementar, meu caro Watson! Tirando o encontro amoroso com Janaina, o resto era absolutamente sigiloso. E tais encontros ficariam mais “camuflados” se marcados em sua própria residência. Ronaldo, que era figurinha conhecida nas colunas sociais, e constantemente perseguido por paparazzis, não poderia dar um mole desses. Era melhor não arriscar. E se marcasse alguma reunião em sua agência, ou anotado em algum lugar, Pedrão desconfiaria na certa! E as informações sigilosas poderiam vazar.

Mas Ronaldo nem imaginava que sua chapa estava prestes a esquentar. Melhor dizendo, o circo iría pegar fogo! Ia ter japonesa “rodando a baiana”, dama inglesa “quebrando o barraco”, mulata “descendo o morro” e loirinha (que de burra não teria nada) processando a torto e a direito...

Sexta-feira, dia dos encontros. E Ronaldo, que tinha virado a noite na criação de uma nova e revolucionária embalagem no mercado de garrafas-pet, nem se dava conta do que estava por vir. Até porque ele nem se quer lembrava dos compromissos assumidos praquela manhã. Talvez o alto índice de cafeína tenha feito ele se esquecer. E ele, enrolado numa toalha, se preparava para entrar no banho e seguir em frente com mais um dia de trabalho para garantir o “seu pão de cada dia”. E que pão! No mínimo, um croissant recheado com caviar! Aposto!

Nisso, na portaria de seu prédio, todas as 4 mulheres aguardavam a chegada do elevador. E Zezinho, o porteiro mais fofoqueiro da zona sul, já dava sua conferida habitual nas curvas das 4 beldades. E quando indagava para onde elas estariam indo, conteve o riso ao notificar que todas estavam indo para o mesmo local. A cobertura. E ele sabia que a única cobertura ocupada no momento era a do “seu” Ronaldo. Já imaginando o que estava por vir, ou achando que imaginava alguma coisa "a mais", pega o telefone e liga para seus parceiros dos prédios vizinhos.

O elevador chega e todas “embarcam”. Cada uma se posiciona num dos 4 cantos do mesmo e apertam simultaneamente o mesmo botão. Dá-se inicio a um constrangimento sem igual. E todas, cada qual com sua fantasia, começam a pensar quem seriam as outras 3. E aí, eis que o elevador trava no sétimo andar. A cobertura ficava no oitavo. Um misto de susto, medo e desconfiança toma conta do pequeno espaço. E todas, sem exceção, começam a imaginar que as outras 3 poderiam ser, de alguma maneira, suas rivais. Janaina tenta decifrar qual delas seria a amante, a garota de programa e a aquela que Ronaldo estaria “comendo” pra se dar bem e conseguir alguma conta nova pra sua agencia.

Doutora Liliane se decepciona achando que Ronaldo, nada profissional, estaria fazendo uma pesquisa de mercado para ver qual das 4 advogadas teria os honorários mais baratos.

Mary, sua amiga jornalista, fica mau ao perceber que sua reportagem não seria furo algum e sim, uma coletiva.

E Laura se dá conta que ela não seria a única sócia de Ronaldo. Outras 3 estariam no páreo também.

Com tanta imaginação rolando num espaço tão apertado, todas começam a ter pensamentos maldosos em relação a Ronaldo. E ao mesmo tempo em que pediam socorro, gritavam por ajuda e esmurravam a porta do elevador, elas iam colocando toda sua raiva nas palavras e pancadas, como se estivessem socando e xingado o “traidor”. Engraçado que todas tinham o mesmo pensamento: descontar toda sua ira no “pobre” (notem que coloquei a palavra entre aspas, no sentido figurado, OK?). Praticamente uma piada! Que seria cômica se não fosse trágica... Cada uma imagina Ronaldo, no centro do elevador, levando bordoadas de todas elas.

Enquanto isso, na portaria, inúmeros porteiros, de diversos edifícios, cada qual com seu determinado e diferenciado uniforme, se aglomeravam junto aos moradores que entravam e saiam do prédio. E a algazarra começa a ser estabelecida, por conta da língua frouxa de Zezinho. Quando de repente, a coisa começa a esquentar pra valer! Muitos gritos, socos na porta do elevador, e a correria de vizinhos pra cima e pra baixo do condomínio. O sindico aparece e pergunta a Zezinho o que estava acontecendo. O porteiro, por ser nordestino, começa a narrar tudo com expressões e sotaque que lhe era peculiar. Tudo isso reunido a um grande e surreal exagero em sua narrativa. E ele dizia ao síndico:

_”Seu Manoel... Eita, Vixe Maria! Tá o maior balaio de gato no elevador! Tá uma confusão da bexiga! Tem pra mais de 4 dona quereno esfolar o cabra da peste! É lapada pra tudo que é lado! Acho inté que tinha uma com a peixeira nos quarto! E a pizinga desse elevador deu agora pra parar de hora em hora!. Vai dar certo não! To avisano! Bem que eu tava apressentindo arguma coisa! Não foi à toa que mainha me avisou pra ter cuidado aqui no sul... Meu Padim Pade Ciço que nos alumeie! Eu, o senhor, chamava a puliça e pra modo de tirá as dúrvidas, chamava embulança tumem... Seu Ronardo, hein? Hummmmm... Quem diria?... Ô sujeito pra gostar de um rabo de saia...”

E o sindico, sem entender da missa o terço do que tinha escutado, fala pra ele chamar os Bombeiros, pra retirar do elevador as pessoas, o gato e a cabra (pelo jeito foi isso mesmo que ele entendeu). Zezinho, por sua vez, não achou que seria o suficiente. Além dos Bombeiros resolveu chamar também a Policia Militar, o Samu, a Defesa Civil e alguns jornalistas que residiam nas proximidades. Zezinho não perderia a oportunidade de se gabar com seus conterrâneos que apareceria na primeira pagina dos jornais e na tv, dando entrevista e tudo!

E com a chegada de toda essa turma, aí que o circo tava realmente armado!

Baderna era pouco! O lugar tinha virado um verdadeiro pandemônio! E Ronaldo, ao perceber tanto barulho, começa a imaginar, que algo deveria estar fugindo do controle de alguém... Só que esse “alguém” era ele! E ao caminhar até a porta principal de seu apartamento, passa pela cozinha e olha para o calendário que decorava a parede do ambiente. Sexta-feira, dia 13! E a ficha caiu! Era hoje! O dia do encontro... O dia da entrevista... O dia da reunião... O dia do acordo... Meu Deus do céu! O dia do AZAR!

Ele se encaminha para o corredor de seu andar. Percebe o elevador parado entre o sétimo e oitavo andar. Reconhece as vozes. E se esquece que estava praticamente nu. De repente, ouve-se um barulho de maquina ligando, como roldanas reiniciando seu trabalho. Era o elevador que voltava a funcionar. A porta do mesmo se abre com um rompante e as 4, que mais pareciam felinas primitivas, pulam de dentro do elevador, caindo por cima do sujeito aterrorizado, como se tivessem sido ejetadas por um canhão! E elas começam a bater no coitado, pedir explicações, xingar e berrar. Todas ao mesmo tempo! Ronaldo se assusta e corre fugido para seu apartamento. Elas ainda conseguem segurar a ponta de sua toalha, deixando o rapaz completamente nu, do jeitinho que veio ao mundo. Ele bate a porta na cara daquelas feras ensandecidas. Com o corpo colado à porta, mas agora seguro, deixa-se escorregar porta abaixo. Caído ao chão, ofegante, nervoso e ainda meio tonto por conta daquela confusão danada, tenta buscar alguma explicação para o acontecido. E é ai, nesse exato momento, na posição em que se encontrava, sob um ângulo de 45 graus, que ele vislumbra a silhueta do Cristo Redentor - rodeado por nuvens tão claras que pareciam ter o formato de anjos celestiais. Ele, com uma enorme e inútil vontade de gritar aos 4 cantos do universo, raciocina por um instante e sussurra em desabafo (meio melodramático, diga-se de passagem):

_ “Senhor, se reencarnação existe de verdade, permita que eu venha da próxima vez totalmente isento da necessidade de ter uma mulher ao meu lado. Mesmo que eu venha a ser um bebê de proveta... E mesmo que para isso eu tenha que nascer gay... “ Logo após concluir essa última frase, um trovão ecoou no céu carioca... Será que isso foi um sinal? Ou mera coincidência? Mas o que eu acho mesmo, meus caros amigos, foi que os anjos disseram “AMÉM”...

Eis que se escuta a voz do diretor gritando: "CORTA!"

The End

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