O Grande Mentiroso de Louisiana by Gláucia Hamond Coutinho is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 3.0 Brasil License.
Jurandir era seu nome – o que estranhamente não era do conhecimento geral das pessoas mais próximas. Pois todos o conheciam como Joe. De John. E ele se gabava disso! E como seus pais acabaram adotando esta alcunha como seu apelido, ninguém poderia contestar a sua veracidade.
Ele morava em Copacabana, no Rio de Janeiro. Onde, atualmente, vivia apenas nas férias, já que estava cursando faculdade numa cidadezinha do interior paulista.
O que todos sabiam, melhor dizendo, o que ele costumava contar a todos era que descendia de americanos e que acabou vindo morar no Brasil quando ainda era um bebê. Dizia ser de Louisiana. Mais precisamente de Nova Orleães. Ou melhor, "New Orleans in Louisiana". rsss O que fazia algum sentido, já que Joe gostava de Blues, era afrodescendente e falava um inglês perfeito, que segundo ele, era um "black-speaking" nativo! Vivia com uma gaita no bolso tocando canções ou simplesmente emitindo algumas notas apenas para deixar sua marca registrada de “rhythm and blues”, como ele mesmo costumava dizer.
Mas o que ele mais se gabava era de ser tataraneto de um pescador do rio Mississippi. Verdade ou não, ele sempre tinha estórias tão minuciosamente detalhadas para contar sobre qualquer assunto que era quase impossível não crê-las. E sobre a vida desse seu tataravô, ele até mencionou que este conheceu Mark Twain pessoalmente! Sim! O escritor americano de "As Aventuras de Huckleberry Finn" e "Tom Sawyer". E que inclusive foram amigos de pesca numa das muitas embarcações a vapor no Mississippi! Disse até que seu tataravô foi quem apelidou o tão conhecido escritor (Samuel Langhorne Clemens) de Mark Twain! Parece até estória de pescador, não é verdade?
Mas, Joe, ou melhor, Jurandir, tinha explicações para todas as estorinhas que costuma contar. E elas eram tão complexas, tão elaboradas, com tantos nomes, datas e locais, que era praticamente impossível contestá-las. E ele sempre tinha uma boa resposta na ponta da língua para quem se atrevesse a desmentir suas narrativas. Sendo assim, todos acabavam acreditando nele. Ou diziam que acreditavam por conta de uma total falta de argumentos.
Mas, Jurandir não fazia a mínima idéia de que suas mentiras estavam com seus dias contados...
Numa certa semana Santa, Jurandir e sua família receberiam em casa alguns parentes para o feriado. Fato que ele ainda não tinha conhecimento, pois estava na faculdade, onde residia, em São Carlos, São Paulo. Além dos parentes, sua mãe resolveu convidar alguns vizinhos. Ou seja, muitos ouvintes das estorinhas de Jurandir estariam prestes a conhecer os seus tão famigerados parentes "norte-americanos"...
Jurandir chegaria na hora do almoço da sexta-feira Santa. Teria ficado no Campus até a manhã daquele dia para concluir um trabalho em grupo.
Dia do almoço. Família reunida à mesa. Jurandir chega assobiando um “blues”. Que é subitamente interrompido, no meio de uma nota, por conta do espanto ao se deparar com toda aquela gente reunida no mesmo ambiente. Seus ouvintes de barzinhos e seus parentes... Seus VERDADEIROS parentes...
Eis que Juliano, seu vizinho, se levanta e começa a falar:
_”Que saudades de você, JU-RAN-DIR!” Adorei conhecer seus parentes aqui! TODOS naturais de MINAS GERAIS!!! Que coisa, hein? Que família maravilhosa você tem, amigo! Eu estava aqui contando pra eles o quanto você gosta deles! Que você não pára de contar estórias a respeito deles e de todos os seus antepassados! Não é verdade, JU-RAN-DIR?”. E o nosso amigo, continuava ali. Estático. Como uma estátua. Em silêncio. No mínimo esperando pela explosão de uma bomba atômica para dar fim àquela situação embaraçosa sem igual... Apenas uma calamidade como essas poderia mudar o rumo daquela situação desagradável... Pelo semblante de empolgação de Juliano, era notório que ele não tinha intenção alguma em cessar seu discurso. O que deixava Jurandir cada vez mais pálido e sem ação.
E o discurso do amigo continuava:
_”É, JU-RAN-DIR, que bom que está aqui conosco! Assim, você mesmo pode nos contemplar com suas estorinhas, digo, suas histórias. História com H, OK? Há, há, há, há, há, há, há...”
O constrangimento de Jurandir era tanto que ele começou a gaguejar, antes mesmo de pronunciar alguma palavra, na inútil tentativa de se defender.
Os parentes de Jurandir nem sacavam o que estava acontecendo. Para eles, Juliano apenas tinha bebido, um pouco além da conta, e estava muito feliz em rever o amigo.
Mas, como que por um milagre, Juliano pareceu dar uma trégua. Puxou uma cadeira para o amigo e o fez sentar-se próximo de si. E Jurandir, como que por medo, obedeceu sem pestanejar. Como um escravo obedeceria seu senhor... Obediência cega e amedrontada. E ao se acomodar junto à mesa, Juliano lhe segura pelo braço e sussurra em seu ouvido:
_”Tu és um baita de um mentiroso, hein, JOE?” E imediatamente se levanta e propõe um brinde!
_” Amigos aqui presentes. Vou quebrar todas as regras de uma confidência entre cavalheiros e contarei a vocês uma noticia pra lá de bombástica!”. Nesse momento Jurandir começou a rezar para que o mundo se abrisse debaixo de seus pés... E o amigo completou:
_”Nosso amigo aqui, o JU-RAN-DIR, queria segredo, mas eu vou contar mesmo assim! O JU-RAN-DIR... tan, tan, tan, tan... está escrevendo um livro! É! Isso mesmo! PASMEM! Um livro, meus amigos! E eu vou revelar para vocês, em primeira mão, o título dessa belíssima obra que o Brasil, e porque não dizer o mundo, conhecerá muito em breve! O meu grande amigo aqui, JU-RAN-DIR, vai nos contemplar com uma maravilhosa leitura de sua obra intitulada “O Grande Mentiroso de Louisiana”! Ladies and gentlemen: "The Great Liar from Louisiana”!!! Iiiiiiiiihhhuuuuuu! Uma salva de palmas pra ele, pessoal!"
Após tremenda ovação, Juliano senta-se, puxa Jurandir pelo braço e mais uma vez, sussurra em seu ouvido:
_”Chupa essa manga, meu véio! Há, há!”.
Vejam só em que esparrela nosso "Forrest Gump" brasileiro se meteu...
Bem, pra quem gostava tanto de contar mentiras, escrever um livro descrevendo todas elas não seria problema algum...
Por essas e outras que eu sempre digo: mentira tem perna curta...
Mais vale uma verdade sem graça do que uma mentira absolutamente magnífica! Será mesmo? Bem, a não ser que seja por uma boa causa... Aí, nesse caso, se a mentira for muito bem contada, até seu próprio autor acaba por acreditá-la... rsss
É, as pessoas mentem mesmo pra conseguir coisas que dizendo a verdade seria impossível. Bem ou mal, Jurandir conquistou a desejada e merecida notoriedade. Será que os meios sempre justificam os fins?
ResponderExcluirAdorei.